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BRASIL
O vírus das fakenews:
Como uma notícia falsa sobre o ministro da saúde de Israel saiu do Paquistão e se espalhou pelo Brasil
por Sabrina Abreu
Nesta terça-feira (7), manchetes da grande imprensa brasileira e de veículos alternativos do país multiplicaram manchetes sobre o ministro da saúde de Israel, Yaakov Litzman, ter testado positivo para o Coronavírus. Embora até aí a informação seja verdadeira, o detalhe que confere interesse particular à chamada é uma notícia falsa: segundo lido em sites das revistas Vogue e Aventuras Na História e de jornais, como Meia Hora e Diário de Pernambuco, o ministro teria, antes de ser infectado, afirmado que o coronavírus é um castigo divino contra gays.
A manchete é uma típica "clickbait", chamadas com elementos bizarros ou irônicos feitas para atrair a leitura ou ao menos o like e o comentário do leitor. Em comum, todos os veículos postaram praticamente o mesmo conteúdo, só com título e texto reescrito em palavras diferentes (trocando "coronavírus" por "Covid-19, por exemplo). As matérias são assinadas como "da redação" e nenhuma inclui fonte primária ou secundária.
Israel é um país com ampla cobertura da mídia feita em inglês, tanto por agências de notícias -- todas as maiores delas presentes em Jerusalém -- quanto por correspondentes da imprensa internacional e pela mídia local, que é, em sua maioria, bilíngue. O Jerusalem Post, Yet News e Haaretz, só para citar três veículos israelenses com linhas editoriais distintas, têm conteúdo atualizado em inglês.
A falta de cuidado mínimo na checagem dos fatos e o anseio por conquistar cliques e likes, partindo do bizarro (e, pior, da mentira) é desserviço ao jornalismo, especialmente enquanto a imprensa reafirma merecidamente o seu papel fundamental de disseminadora de informações corretas e úteis para a sociedade, durante a crise de saúde pública. A credibilidade da imprensa foi ameaçada nos últimos anos, por diversos motivos, incluindo ataques de líderes populistas e a disseminação de fakenews por plataformas de mensagem, mas a pandemia do Coronavírus parece, ao menos, servir para corrigir os hábitos de consumo de notícias e torná-lo mais responsável. Justamente por isso, veículos da grande imprensa não deveriam relaxar sua apuração, em relação às importantes notícias que circulam sobre o tema.
No Brasil, é provável que o Pragmatismo Político tenha sido o primeiro veículo a traduzir a notícia -- seguramente, um dos primeiros. Teriam veículos de renome se pautados por ele? No exterior, a Organização Não Governamental Honest Reporting, que monitora a aparição de notícias falsas ligadas a Israel, descobriu de onde saiu o boato: um site paquistanês chamado Naya Daur. Mas a notícia falsa só se espalhou, depois de ser reproduzida pelo site especializado em matérias focadas na comunidade LGBTQ+, o Pink News.
"Para seu crédito", o Honest Report divulgou, "o Pink News fez uma correção". Quem tiver interesse em acessar a matéria, encontrará a errata: "Uma versão anterior deste artigo referenciava dois dados imprecisos sobre Yaakov Litzman culpando a pandemia de coronavírus pela homossexualidade. Isso já foi corrigido".
Entre a comunidade ultraortodoxa israelense, há um líder que publicamente associou a Covid-19 a um castigo divino aos gays, o rabino Meir Mazuz -- mas ele não tem nenhum tipo de relação com o governo e foi alvo da crítica da sociedade e imprensa israelense, inclusive em artigos escritos em inglês. Será que o site Naya Daur se equivocou, por achar que todos os ultraortodoxos, com barba branca e roupa preta, são iguais? Ou o site paquistanês deu a notícia errada de propósito? Pelos critérios de noticiabilidade comumente usados pela imprensa, a fala de um político proeminente tem mais importância do que a de um líder religioso sem representatividade nacional (como seria o caso do grão-rabino). Dúvida mais importante: por que Pink News e todos os outros veículos não corrigiram o erro? Para todas elas, uma certeza é que copiar e colar um texto não é fazer jornalismo.
Sabrina Abreu é jornalista, escritora e diretora de comunicação e cultura da StandWithUs Brasil