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SHOAH: um filme que cria sua
própria memória
O coordenador-geral do Museu do Holocausto de Curitiba, Carlos Reiss, escreve para a StandWithUs sobre a relevância e atualidade do filme. “Passados quase 35 anos de seu lançamento, podemos nos questionar: “quem deveria ver "Shoah"? A resposta é todos, em todos os lugares do planeta.”.
Por Carlos Reiss*
Quando o Yad Vashem solicitou que Claude Lanzmanna provasse o cadastro de "Shoah" em seu inventário de filmes, ele pediu para ver o catálogo. Inicialmente, o controverso e genioso diretor francês se opôs a que fosse chamado de documentário. “Como o senhor gostaria de categorizá-lo?”, perguntou Mimi Ash, coordenadora do Centro de Artes Visuais do Yad Vashem. “Um filme único, um de seu tipo”, respondeu.
Lanzmann tinha razão. "Shoah" marcou uma mudança abissal no cinema e no olhar sobre o Holocausto. O processo histórico de “personificação”, em contraposição à visão massificada e fundamentada no “seis milhões”, ainda engatinhava. Esse árduo caminho ganhou um impulso quando, em 1974, ele começou seu trabalho visionário de captação de testemunhos. Lanzmann acreditava que poderia finalizá-lo em 18 meses e apresentar um filme de, no máximo, duas horas. Foram 11 anos de trabalho e mais de 350 horas de material bruto até seu lançamento, em 1985, com nove horas e meia de duração (que Lanzmann recomenda assistir sem cortes). De incomum, o fato de não possuir nenhuma imagem de arquivo – ficou famoso o embate entre ele e o filósofo Georges Didi-Huberman sobre o uso de registros da época. A produção se baseia apenas em depoimentos sem legendas ou dublagens, que foram inseridas somente nos anos 1990.
"Shoah" é mais do que uma obra inédita. Ela transcende sua condição cinematográfica, transformando-se num marco histórico ao colaborar com a construção de uma memória coletiva “humanizada” do Holocausto. Temas como o trauma, a resiliência e o silêncio são constantes. As perspectivas massificadas e perturbadoras, como as exibidas em Noite e Neblina, de 1955, foram substituídas por histórias pessoais – não uma simples sucessão de entrevistas, mas o que o crítico Paulo Cézar Souza chamou de “uma sutil orquestração de falas, rostos e lugares”. São várias as vozes, nenhuma desprezada por Lanzmann – e talvez seja esta sua grande virtude: vítimas, perpetradores, colaboradores, salvadores e observadores. Esta concepção de papéis seria, mais tarde, adotada pelo próprio Yad Vashem e compilada pelo historiador Raul Hilberg.
Na primeira exibição de "Shoah" em Israel, não houve aplausos. Ao contrário, reinou um silêncio absoluto. Um sinal de respeito. “Não há comentários. Não há vozes ocultas que explicam ao público o que ele deve pensar. É um filme que cria a sua própria memória”, disse Lanzmann ao The New York Times. Passados quase 35 anos de seu lançamento, podemos nos questionar: “quem deveria ver Shoah? A resposta é todos, em todos os lugares do planeta.
* Carlos Reiss é coordenador-geral do Museu do Holocausto de Curitiba, primeira instituição no Brasil que uniu os trabalhos de memória, educação e pesquisa com um projeto museológico permanente sobre a Shoá.
"Shoah" em exibição gratuita em SP:
Para marcar um ano da morte do cineasta francês Claude Lanzmann, "Shoah", documentário sobre o Holocausto, com mais de 9 horas de duração, será exibido, no MIS, em São Paulo, com entrada franca. O público terá a chance de assistir, em quatro partes, este, que é considerado um dos filmes mais importantes da história do cinema e um documento definitivo sobre o extermínio de 6 milhões de judeus durante a Segunda Guerra Mundial. As apresentações acontecem dias 17, 18, 19 e 20 de julho, sempre às 19h. A iniciativa é da StandWithUs Brasil, Federação Israelita São Paulo e Confederação Israelita do Brasil - CONIB.